domingo, 23 de janeiro de 2011

Os Ladrões do Val de Buia

Meu avô, com quem vivi quase toda minha primeira década de vida e mais alguns anos, de quem absorvi muitos conhecimentos e até alguns gostos, além de bancário, como eu, foi um grande escritor. Abaixo transcrevo texto do historiador Jose Antonio Brenner, publicado no jornal A Razão, de Santa Maria/RS, em 04/12/2010, a quem aproveito para agradecer pelo trabalho, juntamente com o então vereador Glaucio Boelter, que propiciou a reedição pela Câmara Municipal de Silveira Martins, em 2006 w que também é um grande incentivador do projeto do Fabiano Foggiato para transformar a trama num filme:


O primeiro romance policial publicado no Brasil, de autoria individual, foi escrito pelo santa-mariense Hipolito Machado. O romance intitulado Os ladrões do Val de Buia foi uma edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, em 1933, reeditado pela Câmara Municipal de Vereadores de Silveira Martins,em 2006.


O AUTOR


José Hipólito Flores Machado nasceu em Santa Maria, em 11 de junho de 1896, nos arredores da cidade, onde é hoje o bairro Campestre do Menino Deus. Era filho de José Pereira Machado e Hortência Flores Machado. Em 1921, passou a trabalhar no Banco da Província, em Santa Maria. Estudou contabilidade e foi provisionado contador. Autodidata incorrigível, como ele próprio se declarava, instruiu-se em várias áreas do conhecimento. Foi discípulo de João Belém e de Antero de Almeida, em aulas de português. Publicou seu primeiro livro, Flagelos Sociais, em 1926, com o pseudônimo de Ipepo Kieda. O próprio autor revelou, em suas memórias não publicadas, que o pseudônimo significava Hipolito Machado, em certo código.

Em 1931, ele passou suas férias em Silveira Martins,quando escreveu a novela policial O mistério da casa dos velhos, inédita. Durante sua estada naquele então distrito de Santa Maria, percorria os arredores da vila, em longas caminhadas, enquanto anotava as características da paisagem, para descrever o cenário de seu próximo livro: Os ladrões do Val de Buia.

Em 1940, foi transferido para Uruguaiana, onde foi professor no Curso Técnico de Contabilidade do Colégio Metodista União. Nove anos depois, Hipólito Machado foi transferido para Porto Alegre e tornou-se instrutor de funcionários, deslocando-se para isso a diversas agências do Banco da Província. O escritor era casado com Cândida Aurora Ribeiro Machado, com quem teve sete filhos: Selene, Alceste, Aglaé, Alcione, José Carlos, Jorá e Luiz Fernando, os seis primeiros nascidos em Santa Maria e o último em Uruguaiana. Hipólito Machado faleceu em Porto Alegre, com 80 anos de idade, em 14 de janeiro de 1977.

A OBRA

Uma primeira análise revelou que Os ladrões do Val de Buia foi o primeiro romance policial do Rio Grande do Sul. Isso foi certificado pelo escritor e professor de literatura Luiz Augusto Fischer, que declarou “desconhecer livro com narrativa policial escrito por gaúcho, publicado antes de 1933.” Essa declaração foi reafirmada por Inês Bins Ely, quando ela era presidente do Instituto Estadual do Livro(2007-2008). Também o livreiro Eduardo Luizelli (Livraria Aurora), presidente da Câmara Riograndense do Livro, de 1984 a 1986, escreveu, em 2007, que desconhecia “algum livro policial, publicado no Rio Grande do Sul, anterior a Os ladrões de Val de Buia.

Houve um romance policial brasileiro anterior, intitulado Mistério, escrito a quatro mãos pelos famosos escritores Coelho Neto, Medeirose Albuquerque, Afrânio Peixoto e Viriato Correa. Inicialmente publicado como folhetim, em 1920,no antigo jornal carioca A Folha, o romance tornou-se livro no ano seguinte, lançado pela editora Monteiro Lobato &Cia., de São Paulo. Porém Mistério foi uma obra coletiva enquanto Os ladrões do Val de Buia teve autoria individual.

Então se pode afirmar que o livro de Hipólito Machado foi o primeiro romance policial escrito individualmente, no Brasil. Tal condição é reconhecida pelo jornalista, escritor e roteirista Tailor Diniz, que declarou por escrito “não ter conhecimento de que, antes de 1933, algum escritor brasileiro tenha publicado individualmente e em livro romances do gênero policial.” E o bibliófilo Waldemar Luiz Naclerio Torres afirmou que Os ladrões de Val de Buiaé o primeiro romance policial de nossa história literária, publicado em livro.”

A TRAMA

A narrativa adota a metaficção historiográfica, ambientando a trama no conhecido cenário de Val de Buia e Silveira Martins, na Quarta Colônia. Val de Buia é um sítio histórico da imigração italiana, onde se alojaram os primeiros colonos,em 1877, antes de se estabelecerem. A denominação, dada posteriormente ao local, certamente refere-se à cidade de Buia, a cerca de 20 quilômetros ao noroeste da Udine, na Região de Friuli-Venezia-Giulia.

O autor parte de fatos históricos como a falência do Banco Popular do Rio Grande do Sul, pedida em abril de 1930, e a posterior liquidação do Banco Pelotense, em janeiro de 1931. Desenvolve então uma trama de ficção a partir do temor que afligiu os moradores de Silveira Martins a respeito de seus depósitos bancários em Santa Maria. Retiraram o dinheiro depositado nos bancos para guardá-lo em casa e foram repetidamente assaltados pelos ladrões, junto ao pontilhão sobre o arroio, em Val de Buia. Os ladrões, fortemente armados, inclusive com uma metralhadora, tripulavam um carro sem carroceria, que sumia misteriosamente após os assaltos, por isso chamado pelos colonos de o “chassi fantasma”. Entrou em ação o detetive Ipepo Quieda, personagem principal do romance, que identificou os ladrões e descobriu o chefe da quadrilha, importante figura local. O estranho nome do protagonista escrito com “K”, fora usado por Hipólito Machado, como pseudônimo em seu primeiro livro.

Além das obras já citadas, Hipólito Machado escreveu: O crime da Água Boa, publicado como folhetim no Diário do Interior, 1930; Sioram, 1935; A maré prequinocial, 1939; Tecnologia bancária, 1940; Além, muito além da vida, 1969. Também escreveu os romances inéditos: Uma aposta singular, A herança do cardeal, A degenerada, Os náufragos do Tiradentes, Descendo o Uruguai, A maldição do pajé; a crítica de costumes A última virgem; os contos O lobisomem e A outra Ana Maria; o ensaio antropológico Este mundo em traços leves e o drama histórico Florisbela. Entre todas as obras, destaca-se Os ladrões do Val de Buia, como o primeiro romance policial brasileiro de autoria individual, escrito em Santa Maria, pelo santa-mariense Hipólito Machado,em 1933. Um fato importante no cenário cultural de Santa Maria, certamente muito pouco conhecido.

MAIS DO MESMO

Aproveito o texto acima para indicar outras leituras sobre o mesmo assunto:

http://www.retornoimperfeito.com.br/?apid=1103&tipo=6&dt=0&wd=&titulo=Garimpo%20encontra%20preciosas%20lavras

http://brennerdesantamaria.blogspot.com/2010/12/primeiro-romance-policial.html

Um comentário:

Ramirez disse...

Para quem quiser comprar os livros, basta fazer uma pesquisa no Google que aparecem sebos que vendem exemplares pela internet.

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